Educação
O diálogo e o desafio
Eleito reitor do Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul), Flávio Nunes encara cenário de contingenciamento de gastos pelo governo federal
Paulo Rossi -
A estrada é quente, mas ele está disposto a botar calçados e percorrê-la. Eleito reitor do Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul) com 3.895 votos, o servidor Flávio Nunes tomou posse há duas semanas e promete diálogo, foco nos estudantes e força para encarar o cenário de contingenciamento de gastos aprovado pelo governo federal através da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55. Este e outros desafios de quem pelos próximos quatro anos irá gerir 14 campi o Diário Popular apresenta em entrevista exclusiva.
Natural de Pelotas, Nunes realizou estudos de Ensino Fundamental em escolas públicas e teve a grande transformação da vida exatamente no curso de Eletrônica da então Escola Técnica Federal de Pelotas (ETFPel) - hoje Campus Pelotas do IFSul -; posteriormente, formou-se técnico em processamento de dados na Universidade Católica de Pelotas. A própria trajetória o levou a concorrer à Reitoria e trabalhar para mudar realidades de pessoas como ele.
Entre as principais bandeiras da gestão, por exemplo, está o combate à evasão estudantil. “A gente entende que isso significa desperdício de dinheiro público. Quando construímos uma sala para comportar 20, 30 pessoas e ela estar com dez, 15”, comenta. Se hoje o índice de abandono varia entre 30% e 40%, dependendo do curso, a meta é chegar a zero.
Com a palavra, os estudantes
Se o objetivo de Nunes é focar esforços nos estudantes, nada mais apropriado que dar-lhes voz. De acordo com João Nachtigall, membro do Grêmio Estudantil Integra, que representa alunos de todo o Ensino Médio do campus Pelotas do IFSul, a prioridade tem de ser a garantia de que o congelamento dos gastos públicos pelos próximos 20 anos, previsto pela PEC 55, não afetará a qualidade do ensino ofertado na instituição. “É preciso que seja mantida a verba da assistência estudantil, que evita o crescimento da evasão”, comenta.
A coordenadora do grêmio, Lavinie Frenzel, acompanha o colega, acrescenta a necessidade de se ter uma Reitoria mais presente e joga luz também à importância da abertura do IFSul para a comunidade. “Mostrar que aqui existe um ensino público de muita qualidade.”
Diário Popular - Qual será a estratégia do IFSul, tendo em vista a PEC 55, que visa, entre outros pontos, o contingenciamento de gastos federal dentro da educação nos próximos 20 anos?
Flávio Nunes - Essa PEC é um grande limitador para continuarmos a expansão e a implementação dos nossos campi. Hoje temos 14 campi e, desses, pelo menos 12 precisam de obras e laboratórios para funcionarem a pleno. A estratégia vai ser continuar batendo à porta do MEC e apresentando projetos, porque os orçamentos ficaram muito limitados na ponta do processo. O Ministério ainda tem recursos para financiar projetos específicos.
Um outro caminho vai ser trabalhar junto às nossas representações parlamentares para aprovarmos emendas que possam financiar a continuidade dessas obras que tanto precisamos. O Campus Bagé, por exemplo, conseguiu recentemente quatro emendas parlamentares na ordem de R$ 1,25 milhão, e essa verba vai ajudar na construção de um ginásio naquele local. É um caminho a ser seguido de forma mais intensa.
DP - Quais os principais desafios e as prioridades da gestão para os próximos anos?
FN - A implantação dos campi e a liberação de pessoal para poder efetivamente ter todos os cursos propostos para cada prédio. Trabalhar também a questão do custeio, que fica travada pela PEC. Apesar do congelamento do orçamento nos próximos 20 anos, água, luz, telefone e contratos de terceirizados em geral sobem acima da inflação. Outro problema é que do orçamento previsto ao IFSul para 2017, apenas 70% serão liberados. Então isso demanda um trabalho feito para que se vá aumentando esse limite até que cheguemos nos 100%.
DP - Como é, atualmente, a relação do IFSul com o Ministério da Educação (MEC)
FN - A relação é muito tranquila. Podemos chegar, conversar e mostrar as nossas necessidades, com algumas, inclusive, sendo contempladas. Recentemente foi liberado um total de R$ 2,5 milhões para uma obra no campus de Santana do Livramento e mais R$ 1,5 milhão para o de Venâncio Aires. Isso denota que o MEC tem tentado nos ajudar. Mas não é o suficiente, temos 12 campi precisando de obras. Estamos começando esse trabalho de parceira e acreditamos na possibilidade de captação desses recursos.
Há uma imagem de que os institutos são muito caros. Estamos buscando mostrar com dados para o MEC que isso não é verdade. Por exemplo o custo aluno/ano. Chegou ao valor de R$ 12 mil, diferentemente do que se publicou anteriormente, de que seria R$ 100 mil, algo totalmente infundado. Além disso, 74% do nosso público é formado por pessoas com renda de até três salários mínimos por família. Então, há também um processo de inclusão social nesse sistema de formação profissional e tecnológica.
DP - Era projeto da gestão anterior a compra do prédio da Cosulati, vizinho ao Campus Pelotas. Ele se mantém em teu mandato?
FN - Não está nas nossas prioridades, que são dar conta dos campi próprios que ainda carecem de infraestrutura, como laboratórios, ginásios e quadras poliesportivas.
DP - O que significam os três grandes balizadores - respeito ao ser humano, foco no estudante e diálogo permanente - que disseste permearão as ações da gestão?
FN - A primeira, o respeito ao ser humano, é passarmos para a instituição como um todo que o respeito às diferenças e à diversidade deve sempre existir. Temos de saber sempre aceitar e isso se traduz em a gente saber se despir de preconceitos de gênero, raça, religião, status social. Como instituição de educação, ainda mais importante passarmos isso para nossos estudantes e servidores, para que possamos viver mais harmoniosamente.
A segunda, o foco no estudante, é que a instituição tenha a clareza de que a razão de existir é o aluno. Então, toda atividade, por mais distante que possa parecer do estudante, deve ser pensada para melhorar as condições de ensino deles. Temos que resgatar isso muito fortemente. Consequentemente, temos que dar as melhores condições possíveis para os servidores, para que isso reflita na melhoria do aprendizado.
A terceira, diálogo permanente, é estarmos sempre atentos aos anseios e às sugestões que a comunidade acadêmica tenha para nos passar. Esse princípio é bastante complicado de se atingir em um universo de 17 mil estudantes e 1,6 mil servidores. Teremos de achar formas de alcançar esse objetivo e uma delas é estar mais próximos dos campi, visitando-os mais constantemente, entrando nas salas de aula. Em minha última viagem a Brasília passei em Lajeado, em Santana da Boa Vista. Coloco meu número de WhatsApp, meu e-mail, meu Facebbok à disposição da comunidade que me elegeu.
DP - O que te levou a disputar a Reitoria do IFSul?
FN - Venho de família humilde e em 1981 passei para a então Escola Técnica Federal de Pelotas, onde cursei Eletrônica. Aquele local me deu outras possibilidades, as ferramentas que me possibilitaram buscar novos caminhos para a minha vida. Isso é o que me move. Quero que essa instituição alcance cada vez mais pessoas, para que elas também tenham a possibilidade de transformação de vida. Além de que a educação tem de ser um ideal. Transformando a pessoa, a gente transforma a sociedade. Isso tem de ser sempre muito forte.
DP - Qual o papel do IFSul dentro do desenvolvimento de Pelotas?
FN - Ofertamos nossos cursos para que as pessoas possam buscar seu lugar na sociedade, seu emprego. Mas também através da extensão e da pesquisa, estamos inseridos na sociedade através da prática do conhecimento de sala de aula, à disposição da comunidade. A pesquisa contribui para que essa sociedade desenvolva tecnologias novas que possam melhorar as condições de vida das pessoas. Aqui em Pelotas faremos um trabalho para nos inserirmos melhor no Parque Tecnológico, mais próximos da prefeitura e termos parceria mais efetiva com o setor produtivo da cidade e com as outras instituições de ensino do município.
DP - Como a Reitoria lidará com possíveis novas greves e ocupações envolvendo servidores e alunos?
FN - É uma situação delicada. A greve é um movimento legítimo dos servidores frente àquilo que eles entendem como errado dentro da sociedade. Temos de respeitar, assim como temos de ser respeitados. Existindo esse pensamento, creio que consigamos manter o diálogo. Aquelas reivindicações que dependem da Reitoria, sentaremos para conversar e chegar em um denominador comum e aí cessar o movimento. Aqueles assuntos que não dependem da Reitoria, bom, aí não teremos como lidar com o diálogo para encontrar as soluções, dependendo do governo federal.
Acredito que o jovem alienado não contribui para melhorar a sociedade, então temos de incentivar, sim, os movimentos a reivindicarem os seus direitos e reclamar em relação ao que acham de errado.
DP - Recentemente o IFSul esteve envolvido em casos de assédio moral e sexual por parte de servidores. A Reitoria, em tua gestão, pretende desenvolver alguma política de prevenção e punição relacionada a estes casos?
FN - Em primeiro lugar temos de fazer a apuração e punir os responsáveis. Não podemos ver as coisas acontecerem sem agir. Temos de intervir, instaurar a comissão de procedimentos administrativos e punir por aquilo que foi identificado e comprovado. Temos de estar atentos e não podemos demorar para tomar providências.
Quanto à prevenção, vamos começar a fazer projetos que sensibilizem a comunidade para o mal que esses assédios causam. Um trabalho de educação tanto para servidores quanto para alunos. Está dentro do princípio do respeito ao ser humano.
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